2007/03/30

O Povo é Sereno!! 

Quem de entre nós alguma vez duvidou daquele eterno lugar comum de que o nativo lusitano é um indivíduo de brandos costumes? Quem, no seu perfeito estado de embriaguez histórico-cultural, ousaria contrariar as palavras proferidas por Pinheiro de Azevedo naquele momento conturbado da história (mais ou menos) recente da nossa orgulhosa nação: «Granadas? Não... Isto é só fumaça. Calma que o Povo é sereno! O Povo é sereno!»

Pois bem, para além da grande maioria da população deste burgo ser tomada por uma enorme turbe de almas serenas (enquanto muitos outros povos talvez nos considerem mansos), excepção feita como é óbvio os paleolíticos membros das claques organizadas de futebol, elementos partidários do CDS, o ocasional agente da Guarda Nacional Repúblicana e todos quantos votem no Alberto João Jardim, o certo é que se há coisa em que o português é exímio, é na arte de inventar!

Não, não estou a falar de inventos à séria, daqueles com direito a patente e a possível roubo dos planos por parte de uma qualquer nação asiática com o intuito de nos vir depois vender a obra feita por um euro e meio que avidamente adquirimos e admiramos afirmando em espanto colectivo: estes asiáticos, como é que eles conseguem?!?. Nada disso! Falo daquele inventar popular, de conseguir ligar 47 aparelhos eléctricos diferentes numa única tomada, falo na arte criativa de pintar uma estrada esburacada de preto e afirmar junto à cruz que os buracos desapareceram, falo naquele característico espirito inventivo que permite que um único utilizador pague pela televisão por cabo que todo o bairro usufrui (canais em que se faz o amor à bruta incluídos), falo, enfim, daquele nosso gene que nos permite encontrar todos os atalhos possíveis e todas as formas de conseguir 'desenrascar a coisa'. Isso sim!

Pois parece que agora um nativo de Luso (não da freguesia, mas da identidade lusófona), conseguiu encontrar uma forma infalível (ou não) de contornar aqueles impedimentos e dificuldades habituais que existem num comum assalto a um banco. Vocês sabem: armas, um bom disfarce, um plano de fuga... Tudo isso, meus amigos, para além de exigir um investimento de tempo enorme, no que a planeamento diz respeito, envolve diversos meios de logística e consideração para os quais, sejamos sinceros, o português não está preparado. Nada disso. Este nosso conterrâneo, que a tantos outros deve neste momento orgulhar, resolveu 'atalhar caminho' e conseguiu encontrar uma forma mais prática de levar a cabo esta sua aventura...

Se ponderarmos bem, até podemos parar um pouco e pensar: como é que ninguém se tinha lembrado disto antes? Afinal de contas, tudo o que necessitamos está perfeitamente ao alcance das nossas modestas posses: uma pasta (pode ser também uma mochila, um saco plástico do Lidl, um pedaço de papel daqueles de embrulhar bolos, um kispo vermelho, qualquer coisa que sirva para levar o dinheiro), um telemóvel (hoje em dia, quem não tem pelo menos um? Até os sem-abrigo, para enviarem sms uns aos outros e descobrirem onde está a bater menos vento naquela noite), e para terminar, um imenso reportório de mau feitio!

Pobres dos que se atravessarem no caminho do homem da pasta e do telemóvel com os seus insultos, ameaças e impropérios! "Se não me derem já todo o vosso dinheiro vou chamar nomes a toda a vossa família através deste tarifário que me permite falar a 12 cêntimos após o primeiro minuto!!! Ah pois é!" E o povo em geral, abrigando-se debaixo de mesas e tomando as ruas de pânico, não fosse aquela voz irritada atingi-las num orgão vital com um 'você é mesmo parvo'!
Tal como naqueles filmes do género isto-foi-uma-grande-tragédia-para-todos-mas-no-fim-conseguimos-todos-sair-de-cabeça-erguida-que-nem-grandes-heróis, que os americanos tanto gostam de nos impingir (ver: Pearl Harbor, Flight 93, World Trade Center, etc.), pessoas havia que ligavam para os seus entes queridos, para se podererem despedir uma última vez: "Querida, fui atingido no peito por um 'a sua esposa gosta de abocanhar falos de diversos indíviduos africanos'... Não sei se vou conseguir resistir muito mais tempo..."

Esta abordagem não triunfou, mas nem por isso o Luso (não da freguesia, mas da identidade lusófona), perdeu a sua postura serena (ver início do post), e quando lhe foi pedido que aguardasse por uns breves momentos até que as autoridades chegassem ao local para trocarem umas ideias com ele, o nosso herói, tranquilo... sentou-se num sofá e aguardou...

Lá se foi o extremamente elaborado plano de fuga...

(a parafrase deste post foi: "Granadas? Não... Isto é só fumaça. Calma que o Povo é sereno! O Povo é sereno!" in Pinheiro de Azevedo, discurso para a Rua Augusta em 1978)